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Ana Luísa Amaral

BIO (3.ª pessoa)

Nasceu onde nasceram 90 % dos lisboetas (na Maternidade Alfredo da Costa), em 1956. Mudou-se aos nove anos, por vontade alheia, de Sintra para Terras do Norte (Leça da Palmeira), tendo sofrido na pele a estupidez da divisão Norte/Sul. Como era muito magrinha, e tinha acentuada pronúncia da capital, estava em minoria, e foi várias vezes atirada ao ar por colegas mais velhas da escola. Felizmente sempre apanhada a tempo, acabou por ficar amiga de algumas. Leituras que mais a marcaram; o Zorro (de que foi assinante desde os seis anos e de que possui ainda hoje todos os números); Oito Primos; a coleção completa do Os Cinco (nunca gostou de Os Sete); Ivanhoe; David Crockett; Os Contos do Alhambra. Como não havia as antologias que há hoje de poesia pensada para um público infantil, nem os seus pais tinham livros de poemas em casa (desses que os poetas costumam dizer terem lido omnivoramente na infância), as suas influências literárias principais vieram-lhe das várias Selectas Literárias do liceu. Poema decorado aos seis anos e recitado na escola de Sintra: O Passeio de Santo António. Andou, dos 10 aos 16 anos, num colégio de freiras espanholas muito pouco canónico (aí, aprendeu a falar espanhol, a gostar de churros e a fazer rissóis de atum com tomate). Frequentou a Faculdade de Letras do Porto, tendo-se licenciado em Germânicas. Deve ter gostado tanto da Faculdade que por lá se deixou ficar, como professora, até há quatro anos, quando saiu, sem paciência nenhuma para a burocracia e a estupidez do mundo académico, agora transformado em fábrica de fazer gente impensante. Mas, na altura, por necessidade de carreira, tinha de fazer doutoramento. E fez; sobre Emily Dickinson, cujos poemas ainda a fascinam tanto como a fascinara o Zorro. Pelo caminho, foi publicando livros de poemas, contos infantis, um romance, uma peça e outras coisas, tal como livros de ensaios ou traduções de poetas como William Shakespeare ou Emily Dickinson. Recebeu vários prémios em Portugal e fora dele (Portugal, é claro). Viaja bastante, é traduzida e publicada no estrangeiro e vive ainda em Leça da Palmeira. Tem uma filha maravilhosa chamada Rita. Tem ainda duas gatas, chamadas Kitty e Papoila, e uma poética cadela chamada Milly (Dickinson), sucessora da magnífica, atraente e saudosa Lily (Marlene).

BIO (1.ª pessoa)

Apontamento em Voo

«Voa, voa!», pedia eu ao meu pai. Equilibrado entre os vasos de sardinheiras e as grades da varanda, metade do corpo debruçada no vazio, o meu pai oscilava, batendo os braços. «Voo?», perguntava-me. «Voa, papá, voa!», repetia eu. De repente, ele esticava o corpo, erguia muito a cabeça e testava o ar. Depois, baixava os braços, descia do degrau onde os vasos se encostavam, confiantes, uns aos outros e, com ar sério, declarava: «Hoje, não: há pouco vento.»

Até aos sete anos acreditei que o meu pai podia voar e que eu só não o via a planar suavemente sobre o telhado da casa de Sintra, onde vivíamos, porque o vento não estava de feição. Tenho-o à minha frente, numa fotografia: está sentado nos degraus do jardim, ao lado da minha filha, então com seis anos. A minha filha mostra um enorme sorriso, o meu pai tem entre as mãos as canas cruzadas de um papagaio de papel ainda em construção.

Sinto o meu pai agora, chegado a voar de um lugar que não sei, como o continuo a sentir tantas vezes. Tal como, se fechar os olhos, consigo sentir ainda nas mãos a tensão do ar no fio dos papagaios de papel que ele me fazia e que depois lançávamos da serra. Esse fio como um poema.

Não sei se foi graças a ele, se foi por causa da dor de ter sido mudada em criança de Sintra para o Norte do país, se foi devido a um neurónio que se perdeu da língua normal – sei que sempre escrevi poesia. E que os poemas me foram sempre assim, rasos à pele – e capazes de voar.

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17:00H | Uma poesia sem atributos

Programa Literário 30 novembro

Pavilhão de Portugal | Conversa

Convidados: Ana Luísa Amaral / Vasco Gato

Moderação: Blanca Luz Pulido

(ver+)
Quais devem ser as qualidades da poesia? É suposto a poesia ter determinadas qualidades? No início deste século foi publicada em Portugal a antologia Poetas sem qualidades, um manifesto em defesa do regresso ao real e ao quotidiano na poesia, com um ataque ao que se supõe ser um status quo poético nacional, uma obra que permitiu, de resto, que se voltassem a assistir a polémicas literárias como o país já não via há muito. No universo literário português é a poesia que alimenta as mais belicosas e virulentas discussões. Cavam-se trincheiras, afiam-se manifestos e as editoras nascem e morrem de acordo com o resultado dessas batalhas, deserções e traições. Mas onde fica a poesia no meio de todas estas polémicas? O que fica deste empenho quase programático? Ou por outro lado, a melhor poesia portuguesa continua a ser feita longe destes debates e questiúnculas?