Programa Literário Dia 28 novembro
Pavilhão de Portugal | Leitura |
Convidados: Isabela Figueiredo / Rui Zink
A força de um texto na respiração, tempo e voz de Isabela Figueiredo e Rui Zink.
Isabela Figueiredo
Tenho 55 anos. Começo a sentir-me velha, mas sei que tenho muito para viver. A literatura esteve sempre presente na minha vida. Comecei a escrever cedo, mas nunca acreditei que pudesse tornar-me escritora. Era um mundo distante para pessoas com a minha origem proletária e rural. Parecia-me almejar alto demais, pelo que acabei por me dedicar a profissões paralelas, como o jornalismo e a docência. Precisava de auferir um salário certo e seguro, o que a literatura não garantia. A experiência de vida encarregou-se de fazer de mim escritora numa idade madura.
Sou uma pessoa de fácil acesso, mas de difícil sedução. Tenho gostos singelos, mas sou complexa, racional e metódica. Aprecio a natureza, os animais e a solidão, embora estime uma boa conversa. Antes de saber ler ou escrever já ia ao cinema, entendendo os filmes sem compreender as legendas. Esse contato com o cinema influenciou-me muito. A sua linguagem e estética existe no que escrevo. Penso os meus livros de forma visual. Eles são um filme que vejo na mente.
Escrever é o meu propósito. Escrevo histórias sobre o que penso ser a vida. Gosto de viver e quero esgaravatar esse mistério que me fascina. Pretendo que os leitores se revejam no que crio e se consigam ver, bem como aos seus costumes, de fora para dentro.
Tenho otimismo e esperança no futuro. Acredito no espírito de missão. Creio que estamos a caminho de uma existência melhor, que a Terra nunca acabará e que a morte do corpo equivale à das plantas no Inverno.
Rui Zink
Rui, la Cajeta. Um escritor fala sempre do seu tempo – nisso é muito parecido com as histórias de ficção científica. Passei a minha vida tentando fintar os rótulos, o que nem sempre é prático, num tempo de rótulos. Fiz sete livros infantis mas não sou autor para crianças. Coautorei dois romances gráficos (A arte suprema, 1997, Rei, 2007) e mais cinco livros de BD, mas o gueto ainda me olha com justificada suspeita. A Instalação do Medo ganhou em 2017 o Prémio Utopiales para melhor romance estrangeiro, mas só àquele júri ocorreu considerar aquele livro como da família do fantástico. Na verdade é uma distopia política. E escrevi romances, uns doze, e teatro, bastante, e fiz animação de rua com os Felizes da Fé (documentário disponível no YouTube, Geração Feliz). E fiz televisão. E rádio. E um romance interativo online, Os Surfistas, em 2001, quando todos os que mundo fora andávamos nisso éramos um bocado pioneiros. E tive bons mestres, mas fui um bocado Mowgli entre os lobos: aprendi a contar histórias convencionais com poetas experimentais. E agrada-me, aos 57, ser ainda chamado de enfant terrible, mas entristece-me ter fama de fazer sátira quando os meus castos livros são, como aliás o seu autor, um dulce de leche.